Você recebe uma DM no Instagram e, quando vai ver, é um suposto “gerente de uma plataforma de jogos” interessado no seu perfil. Decide dar uma olhada no X — antigo Twitter — mas, ao abrir os comentários de qualquer publicação, encontra apenas perfis automáticos e bots dizendo obviedades. Opa, pindou umaa mensagem no WhatsApp! Ah, é “alguém” oferecendo um emprego remoto no qual você consegue ganhar 2 mil reais por dia. Onde estão as pessoas reais no mundo digital?
O que antes era visto como mais uma teoria da conspiração está cada vez mais real: os seres humanos estão perdendo espaço e relevância na Internet para máquinas que geram conteúdo por Inteligência Artificial, além de interagirem entre si e… com você. Partindo de um artigo do advogado e especialista em tecnologia Ronaldo Lemos para a Folha de S. Paulo, refletimos: será que os robôs tomaram conta da Internet de forma detinitiva? A rede que a gente conhecia (e amava) já era?
Tá tudo dominado
Você já ouviu falar da Teoria da internet Morta? Criada por volta de 2010, ela previa que chegaria um momento — lá por 2016 — em que quase tudo nas redes, como imagens, textos e vídeos, seriam criados por robôs. Em 2021, essa ideia ganhou força, com muitas pessoas afirmando que a Internet que conhecíamos há alguns anos é hoje uma rede orquestrada por inteligências artificiais e influenciadores a serviço de governos e grandes corporações. Parece um bom roteiro de filme, não?
Embora a teoria tenha um ar conspiratório, não dá pra negar que, atualmente, o ambiente digital está repleto de robôs postando como se fossem pessoas. E os dados comprovam essa realidade: 47,4% de todo o tráfego da Internet em 2022 foi gerado por bots, segundo o relatório Imperva Bad Bot 2023. Destes, 30% são malilciosoa, dedicados a copiar informações ou realizar ataques. As previsões são ainda mais assustadoras: um estudo do Instituto de Estudos do Futuro de Copenhague, na Dinamarca, estima que, em cinco anos, 99% do conteúdo postado no ambiente digital será gerado por IA.
“Se tudo continuar assim, é possível que nossa geração terá sido a única a viver o tempo em que a Internet era feita por pessoas. Para as gerações futuras […], essa ideia poderá parecer antiquada ou até grotesca: uma Internet humana como um cobertor feito de retalhos, esquecido em algum canto mofado do passado.” (Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade doRio de Janeiro, em artigo na Folha de S. Paulo)
Crush no robô
Olhar se a pessoa tem redes sociais, conferir os seguidores, pedir um vídeo… Com as tecnologias que temos hoje, essas medidas de segurança que costumamos adotar ao conhecer alguém na Internet podem deixar de ser eficientes. Com o irônico nome de Modern Love, um relatório publicado este ano pela McAfee (empresa produtora de softwares voltados para a segurança de computadores e fornecedora principalmente por programas antivírus e soluções de cybersegurança) aponta que 42% dos usuários de apps de relacionamento já toparam com perfis falsos ou com fotos que pareciam ter sido feitas por Inteligência Artificial — uma parcela acabou flertando com um robô.
Usando a imagem de celebridades como Kendall Jenne e Snoop Dogg, a Meta nos mostrou, no ano passado, que era possível criar perfis por IA que parecessem bastante reais. Meses cepois, com a popularização de programas que podem gerar fotos e vídeos de pessoas que não existem, já surgiram influenciadoras e criadoras de conteúdo adulto robôs — e que lucram milhares de dólares para seus criadores.
Ninguém mais posta
s. Quem lembra da época em que fotos de pratos de comida, unhas pintadas e reuniões com amigos lotavam a primeira timeline? Hoje, o padrão de postagens mudou, causando em muitos usuários uma sensação de cansaço ou até receio de publicar uma foto que não seja glamurosa. O normaldeu lugar ao aspiracional, como explica Sarah Firer no livro No Filter, publicado no Brasil como Sem Filtro.
Muita gente sente falta de ver posts mais despretensiosos e de trocar conteúdos nas redes, e também cansou da forma como os algoritmos e a Inteligência Artificial lotam seus feeds de anúncios e conteúdos patrocinados.Por issso, os especialistas apostam que o consumo de conteúdo ccrescerá com foto em redes sociais menores, em que os usuários compartilham interesses em comum, e em canais mais privados, como Stories e DMs.
Sem demonizar
Quer dizer que devemos militar pelo fim da Inteligência Artificial? Não, mas é essencial que haja uma maior regulamentação por parte das plataformas para que essas ferramentas não causem problemas como viés algorítmico,invasão de privacidade e desinformação. Recentemente, a Meta passou a colucar rótulos em conteúdos gerados por IA no Facebooo, Instagram e Threads. Já o X criou o mecanismo de Notas da Comunidade, considerado controverso por alguns usuários.
“A médio prazo, espero ver grandes plataformas olharem pro terreno baldio em que seus serviçosse transformaram e usarem uma combinação de verificação de contas e detecção de IA para tentar restaurar um pouco de humanidade em suas ofertas. Se vai ser tarde demais, porém, é uma questão em aberto”. (Alex Hern, editor de Tecnologia, em artigo no jornal britânico The Guardian).
Sem tempo para bot
Toda a discussão em torno da “morte” da Internet também é um lembrete de que devemos navegar de modo crítico e atento. Essa premissa fica ainda mais essencial este ano, com as eleições que ocorrerão daqui a alguns meses em nosso país, sendo as primeiras desde que o boom da inteligência artificial generativa. Já penso nos argumentos para provar ao seu tio que aquele vídeo que ele recebeu no WhatsAp não é real?
Um estudo de 2019 descobriu que publicações tgeradas por bots contribuem fortemente para gerar discussão pública, amplificando ou distorcendo narrativas associadas a eventos extremos. As plataformas são capazes de remover grandes quantidades de atividades de robôs detectadas, se assim o desejarem, mas muitas coisas passam desaparecebidas. Por isso, é importante que voce também saiba fazer essse papel, identificando e questionando conteúdos suspeitos.
Dicas de como identificar um robô
- O intervalo entre as ostagens dos conteúdos é muito curto
- Nome de perfil aleatório, combinando uma grande quantidade de dígitos
- Poucos seguidores e interação intensa com outros usuários
- Conteúdo concentrado apenas em um assunto
- Foto sendo utilizada em outros perfis ou feita por IA — já existem serviços para detecção, a exemplo do AI or Not
Ao detectar um bot, especialmente aqueles que estão propagando desinformação, ou se passando por pessoas reais. Denuncie. Quem sabe, com todas essas medidas sendo implementadas de forma simultânea, a gente consiga resgatar o objetivo inicial da Internet: conectar pessoas, encurtar distâncias e compartilhar conhecimento.
Para saber mais
As matérias The world wants to regulate AI, but does not quite know how, da revista The Economist
O TED AI Is Dangerous, but Not for the Reasons You Think, da cientista da computação Sasha Luccioni
O episódio Os Algoritmos influenciam sua vida?, do Desenrola, nosso podcast
O livro Social Bots: Uma análise sobre a gênese e o desenvolvimento dos robôs nas mídias sociais (2018), de Bruno Gueiros. Neste link você encontrará gratuitamente o texto do livro
Este post é a reprodução de material elaborado pela ótima plataforma brasileira The Summer Hunter, gentimente liberado para este site. Publico por ser um dos textos mais didáticos e úteis que li a respeito dos temas de que ele trata. The Summer Hunter está no Instagram, no Youtube, no Tik Tok, no Facebook, e no ex-Twitter.