O Senado aprova a nova Lei de Acesso à Informação: na foto, pela ordem, os senadores Walter Pinheiro, Randolfe Rodrigues (em segundo plano) e Demóstenes Torres; semiencoberto, na direção oposta, o senador Fernando Collor, cujas propostas foram recusadas (Foto: @Agência Senado)

É sempre bom lembrar. Fala-se e sempre se falou mal do Congresso Nacional, mas foram inúmeras as vezes em que o Legislativo prestou grandes serviços ao país. Se o atual Congresso tem a pior representação da história da República e cogita de votar projetos hediondos como o que pretende equiparar o aborto ao homicídio, até ele teve seus bons momentos, como a aprovação, que parecia impossível, da reforma tributária.

Um exemplo excelente dessa exceções foi, por exemplo, o que ocorreu em novembro de 2011, quando aprovou a Lei de Acesso à Informação, documento libertário que concedeu, pela primeira vez desde a chegada de Cabral, o acesso dos brasileiros à plenitude da História do Brasil.

A lei é um tanto calcada nos moldes do famoso Freedom of Information Act (Lei de Liberdade de Informação) dos Estados Unidos, que entrou em vigor em 1967 e vem desde então permitindo aos americanos o conhecimento de um sem-número de verdades, por vezes dolorosas, mas sempre iluminadoras, sobre o governo, o país e sua atuação em conflitos no exterior.

Ao mesmo tempo em que aprovava uma lei libertária, o Congresso aplicou uma merecida derrota a dois ex-presidentes da República, os então senadores Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP), que pretendiam a possibilidade de manter determinados documentos pertencentes à História do Brasil sob virtual sigilo eterno. Sim, na prática, um sigilo ETERNO. Não deixou de ser um bom puxão de orelha também em Lula, cujo projeto original, ainda em seu primeiro mandato, em 2010, previa essa hipótese.

Dilma falou em “exercício pleno da democracia”

“O objetivo do governo é garantir o exercício pleno da democracia”, disse então, a respeito, a presidente Dilma Rousseff. “A Lei do Acesso à Informação vai permitir que todos os brasileiros consultem documentos e informações produzidos pela administração pública. Isso vai valer para o Poder Executivo, para o Legislativo, para o Judiciário e para o Ministério Público, tanto no governo federal quanto nos estados e nos municípios.”

Dilma não se ateve, em uma entrevista concedida em seu programa radiofônico de divulgação do governo Café com a Presidente, nas tentativas de perpetuação do sigilo, com certeza por ser caso vencido e não querer se incompatibilizar com dois senadores que faziam parte de sua base de sustentação no Congresso.  A presidente preferiu explicar aos ouvintes que, entre muitas outras novidades, cada órgão público terá seis meses para publicar em uma página na internet informações sobre atuação, contratos, licitações, gastos com compras, repasses e transferências de recursos.

“Isso vai permitir que as pessoas saibam, por exemplo, quanto a escola pública em que o filho estuda recebe para a merenda escolar e o valor que o SUS [Sistema Único de Saúde] repassa para os serviços de saúde da sua cidade”, exemplificou.

Tentativa de Collor foi rejeitada em três comissões

A lei aprovada, felizmente, é bastante liberal. Mesmo os documentos considerados “ultrassecretos” podem ser mantidos por 25 anos sob sigilo, prorrogáveis por mais apenas 25 anos. Um prazo razoável para documentos desse calibre.

Collor, que foi relator na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do projeto previamente aprovado pela Câmara dos Deputados nos moldes em que o Senado o aprovaria, quis alterá-lo, propondo um substitutivo. Entre outras mudanças, previa a hipótese de prorrogações ilimitadas — ou seja, virtual sigilo eterno –, em casos de documentos ultrassecretos ou cujo sigilo fosse “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Sarney o apoiou o tempo todo, invocando sua experiência como presidente da República. Não adiantou. Foram derrotados impiedosamente. O substitutivo de Collor viu-se rejeitado em três comissões diferentes do Senado, por proposta dos respectivos relatores — senadores Demóstenes Torres (DEM-GO), Humberto Costa (PT-PE) e Walter Pinheiro (PT-BA).

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Os tempos em que Collor chamava Sarney de “ladrão” ficaram para trás. Depois, risonhos, no Senado, conspiraram contra a História do Brasil (Foto: Agência Senado)

Lula também queria o sigilo perpétuo

Por sua importância, tratei várias vezes do tema em artigos. Cheguei a escrever que não me estranhava nem um pouco, mas que não podia deixar de considerar “pavorosa” a posição do ex-presidente da República e então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), favorável ao sigilo eterno de determinados documentos em poder do governo. Sarney, em uma de suas intervenções, citou como exemplo os documentos relativos a fronteiras negociadas pelo patriota e maior diplomata da história do país, o Barão de Rio Branco (1845-1912).

Comentei, então, que a Sarney se juntara outro político de “movimentado currículo”, o ex-presidente e ex-senador Fernando Collor (PTB-AL), que mantinha postura semelhante sobre o projeto de lei complementar nº 41, de 2010, enviado pelo ex-presidente Lula ao Congresso no ano passado.

O projeto finalmente aprovado, em que a então presidente Dilma estava empenhada e que gostaria de haver sancionado já no dia 3 de maio passado daquele ano, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a atual lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, regulamenta o acesso a “informações de interesse coletivo produzidas ou custodiadas pelo Estado”. Esta benvinda lei liberou inclusive o cofre blindado e inexpugnável no qual vêm sendo mantidos documentos até sobre a  Guerra do Paraguai (1864-1870). Vai demorar, mas podemos ter certeza de que historiadores saberão e divulgarão o que de tão importante – e provavemente negativo para o Brasil de então – justifica um segredo que já dura mais de século e meio.

Três ex-inimigos conspirando por uma má causa

Quer dizer, três ex-inimigos políticos, então juntos, por uma má causa: conspirando contra a liberdade de informação. Quando Collor emergiu para a política nacional, em 1989, era o anti-Sarney: fez boa parte de sua campanha eleitoral com críticas pesadíssimas ao então presidente, a quem em mais de uma ocasião chamou de “ladrão” e para o qual, em comícios, chegou a pedir “cadeia”. Sei até porque cobri para o Jornal do Brasil a campanha no primeiro turno.

O que ele disse de Lula e fez contra Lula nem é preciso lembrar. A campanha sórdida incluiu utilizar um fato da vida pessoal do então candidato do PT — a filha Lurian, devidamente reconhecida e registrada em cartório, de cuja existência pouquíssima gente conhecia — para atacá-lo de forma vil.

Anos depois, sorridentes colegas de Senado, Collor e Sarney conspiraram juntos contra liberdade de informação.

Lula havia enviado um projeto restritivo ao Congresso. Sarney e Collor fizeram tudo para atrapalhar a aprovação do novo projeto, postando-se entre os que pretendiam recusar  aos brasileiros um direito básico, elementar, de que não se pode abrir mão de forma alguma: o direito de conhecer a própria História.

Você pode ter uma boa ideia da excelência da nova lei nesta reportagem da Agência Senado.

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8 Comentários

Tiago Mesquita em 05 de novembro de 2011

A lei de acessos foi feita no gabinete presidencial. Redigida pelos ministros do Lula. EDizer que o presidente quisesse o sigilo só é má fé. Além disso, quem mais resistiu à lei, mais até que os militares, foi o Itamaraty.

ALONSO FRANÇA em 03 de novembro de 2011

O que o poder e o dinheiro não faz? Assim como o povo não se lembra do passado, os políticos também esquecem. É como diz o ditado: O brasileiro tem memória curta! O Collor foi acusado e expulso da presidência como corrupto e hoje inocentado como todos "acusados" de corrupçoes, faz terapia ocupacional no congresso com seus algozes do passado. Se abrir o arquivo (geral) não fica um meu irmão!

João Müller em 03 de novembro de 2011

Será ótimo sabermos nossa história verdadeira, sem as mentiras apregoadas pela esquerda delirante, para isso precisamos que a comissão seja composta por representantes da sociedade isentos.

Kleyner Arley em 03 de novembro de 2011

Setti, O sigilo aqui debatido é o mesmo que o FHC alegou que assinara sem ler? E que você o criticou por isso em um texto? Sim, FHC tem essa culpa no cartório, sem dúvida. Embora o episódio tenha sido pouco claro e merecesse investigação, como já comentei e voltarei a comentar. Ainda bem que vc se lembra de que critiquei FHC. Há leitores que consideram que eu jamais critico quem quer que seja do PSDB. Um abração, caro Kleyner.

P Pereira em 03 de novembro de 2011

Não houve outro presidente que assinou o sigilo eterno de documentos sem ler?

Vera Scheidemann em 02 de novembro de 2011

Ótima notícia, sem dúvida ! Vera

Luís Roberto SBO em 02 de novembro de 2011

São os três píores ex-presidentes do Brasil. Não valem o q.comem. É a união ^da trinca-maldita para ferrar o Brasil.

Roberto em 02 de novembro de 2011

essa foto dos tres juntos só pode ser comparada a uma gravura dos Irmãos Metralha do Walt Disney que aliás, perto desses aí, poderiam ser considerados anjinhos.

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