O presidente Lula governa com 37 ministros — um Ministério colossal, absurdo, gigantesco, talvez o maior Ministério de qualquer país do planeta, excetuadas eventualmente repúblicas corruptas da África, e o segundo mais numeroso da história “deztepaiz” depois da macroequipe de Dilma, que chegou aos 39.
O argumento para justificar essa aberração é, como sempre, é a “governabilidade”, e infelizmente é verdade, porque o presidente tem as mãos amarradas pela dependência do Centrão no Congresso e precisou fazer malabarismos para atenuar a hostilidade do poderoso presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, líder dessa massa de políticos gulosos por recursos e poder.
Já em seu primeiro mandato (2003-2007) Lula engordou enormemente a cúpula do governo em Brasília para melhor aquinhoar o que na época eram os chamados “partidos da base aliada” no Congresso — ainda não com o título de Centrão, mas uma salada que ia do PC do B ao malufismo, passando por fisiológicos do PMDB e siglas controladas por igrejas evangélicas –, continuou assim no segundo mandato (2007-2011), Dilma Rousseff (2011-2016) seguiu adiante e agora é um problemaço político mexer nesse monstrengo disforme e disfuncional.
O presidente-tampão Michel Temer (maio/2016-janeiro 2019) baixou o número para 23 ministros, mas em compensação houve, em 28 meses de gestão, 29 trocas de ministros – uma a cada 24 dias. Ou seja, o gigantismo foi substituído pela instabilidade. Por coincidência, o horrendo governo de Jair Bolsonaro (2019-2023) também trabalhou nos moldes de Temer, com 22 ministros e 29 trocas, a ponto de ter quatro diferentes ministros da Saúde em plena pandemia da Covid-19. De novo, saiu o gigantismo, voltou a instabilidade que, no caso de Bolsonaro, incluíram a confusão e as ameaças à democracia.
O atual Ministério de Lula torna inevitável lembrar a Hidra de Lerna da mitologia grega, que aparece no âmbito dos 12 trabalhos de Hércules, o semideus filho (adulterino) de Zeus, o rei dos deuses do Olimpo, com a mulher do rei de Tebas.
Não cabe neste espaço recordar relembrar a complicada história que levou Hércules, em busca de expiação e da imortalidade, a haver-se com uma dúzia de tarefas impossíveis. O fato é que já o segundo trabalho hercúleo consistia em enfrentar a Hidra, monstro aquático de nove cabeças, uma delas imortal.
O desafio era realmente para semideuses: para cada cabeça que o herói conseguia cortar, nasciam mais tantas quantas faltavam para decepar. Hércules, naturalmente, triunfou. Nem a cabeça imortal sobrou. Mas ele era semideus…
Se fosse uma empresa, o dono ficaria louco
Não é que o presidente Lula não saiba do problema. Ele conhece perfeitamente o tamanho da encrenca, como Dilma conhecia antes mesmo de assumir.
A então presidente, nos cinco anos em que pilotou a Casa Civil e nos quase quatro em que coordenou o tão falado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), manteve incontáveis encontros e reuniões de trabalho com empresários e executivos de grandes empresas, em vários casos de empresas multinacionais de dimensões gigantescas.
Portanto, a presidente, que é economista, nem precisaria perguntar a um desses seus freqüentes interlocutores se existiria, em suas companhias, alguma chance de dar certo o trato direto com 39 diretores, número de ministros que referi no começo deste texto.
Com certeza ouviria, como resposta, que lidar com 39 direct reports é um absurdo que fatalmente conduz a empresa a se tornar empresa burocratizada, hipopotâmica, aparvalhada – sem contar que o CEO, presidente ou dono provavelmente ficaria louco.
Pois um dos segredos do que hoje se considera uma boa governança empresarial consiste, justamente, por meio da delegação e outras formas de gestão, em diminuir o quanto possível o número de interlocutores obrigatórios de cada gestor em seu respectivo nível.
No 1º ano de mandato de Lula, Marina Silva só despachou uma vez com o presidente
Ao estrear no Palácio do Planalto, em 2003, Lula acotovelou o máximo de partidos políticos possível no Ministério, em nome da “governabilidade”. Com isso, deixou inteiramente de lado qualquer busca de eficiência da máquina – no caso, a mais numerosa desde a Independência, em 1822. Nem nossos dois imperadores, D. Pedro I e D. Pedro II, dispuseram de tamanho séquito administrativo.
A multidão de gente elevada à categoria de ministros é tal que alguns raramente despacharam a sós com o presidente. Basta fazer as contas: levando-se em consideração as numerosas viagens ao exterior e os muitíssimos périplos pelo país, Lula, durante seus 8 anos de mandato e que hoje continuam acontecendo, passou cerca de um terço de cada ano, ou pouco mais que isso, em Brasília.
Digamos que tenham sido 100, ou até 120 dias úteis por ano. Mesmo que despachasse diariamente com um ministro diferente — o que não ocorreu com Lula então nem se dá agora –, eles passariam mais de três meses sem contato com o ou a presidente. Não foi por outra razão que, no primeiro ano do primeiro mandato, 2003, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, mesmo sendo na época politicamente muito próxima a Lula, só despachou com ele uma única vez. Sim, uma só vez em quatro anos.
Como todos sabemos, Lula sempre gostou de se comparar a presidentes com marca de realizadores, como Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek. Nunca mencionou, contudo, nem de longe, comparações com o tamanho dos respectivos times.
Getúlio e JK tiveram um máximo de 11 ministros
Não obstante os tempos obviamente sejam outros, e mais complexos, Getúlio, em seus quatro diferentes períodos de governo e 18 anos de poder (de 1930 a 1945 e, depois, de 1951 a 1954), governou com um mínimo de 7 e um máximo de 11 ministros.
JK (1956-1961) contou com 11 ministros, e 5 titulares do que então se chamavam “órgãos de assessoramento”, como os gabinetes Civil e Militar, para um governo que atacou em todas as frente — construção de Brasília, hidrelétricas, rodovias, impulsão da indústria automobilística, construção naval…
E vamos evitar falar de nomes, pelo amor de Deus. Ministros de Getúlio, JK e outros presidentes foram não raro gigantes políticos, que o país conhecia e respeitava.
Quem é capaz de citar o nome de cinco dos 37 ministros atuais? Só cinco?
Praticamente todos os países sérios e maduros são governados por times enxutos. Os presidentes americanos, por exemplo, conseguem tocar adiante a superpotência de 340 milhões de habitantes e uma economia colossal de mais de 20 trilhões de dólares com 15 ministros. A chanceler Angela Merkel conduziu por 16 anos a Alemanha, quarta maior economia do planeta e país mais rico e importante da Europa, com 17 ministros — em sua primeira gestão, eram 15. Seu substituto, atualmente no poder, Olaf Scholz, também tem 17 ministros.
É claro que a eficiência de uma máquina pública não se mede apenas pelas dimensões do Ministério. Entretanto, o primeiro e grande empecilho para que ela ande a contento é o tamanho exagerado — que Lula não levou em conta durante o primeiro mandato, continuou a fazê-lo no segundo e agora segue, impávido, no terceiro, .
1 comentário
Os dados acima mostram porque esse país nunca vai passar de um projeto de nação....