21 setembro 1970          

SANTIAGO – “Estou onde sempre estive: minha posição é a mesma de sempre”. Uma frase bastante parecida com a de Juscelino Kubitschek no dia 1º de abril de 1964, quando as coisas no Brasil ainda não estavam definidas, é agora usada, no Chile, por um homem que concentra as atenções de setores ponderáveis da opinião pública: o general Roberto Viaux Marambio, chefe da frustrada rebelião militar no Quartel Tacna, em outubro do ano passado, 1969.

[Oficialmente, a rebelião não pretendia um golpe de Estado: exigia melhores salários e melhores condições de vida e de trabalho para os militares. O quartel do regimento de artilharia Tacna fica a apenas 12 quadras do palácio presidencial de La Moneda;]

O general Viaux cerca-se, no momento, de impenetrável cautela. Mas continua disposto a “assumir o papel de liderança” que lhe competir no processo político-institucional do Chile. Qual seja esse papel, em que condições ele seria exercido, e quando, são coisas que só o futuro pode responder. Por ora, o general é reticente e silencioso.

O homem forte e corado é muito mais moço e um pouco mais alto do que parece nas fotografias. Ele recebe o visitante estrangeiro numa sala ampla e confortável, de móveis simples, cortinas claras e lareira, cercada de recordações da vida militar. A casa, grande, tem dois pavimentos e um pequeno jardim, e é uma herança de seu pai, também general do Exército chileno, também filho de general. Fica em Ñuñoa, num distrito a 15 minutos do centro de Santiago, a capital.

O general tem sido assediado pela imprensa chilena e internacional nos últimos dias. Esquiva-se com irrepreensível habilidade ao cerco. Por isto, receber o visitante já parece ser uma deferência, e o general não esconde que é. Espadaúdo, mãos largas, sorriso aberto, uma grande cicatriz no lado esquerdo do rosto, começando no olho e descrevendo uma curva até a orelha, o general sorri muito, mas fala pouco.

Ele prefere não fazer declarações minimamente taxativas. “O momento chileno é muito delicado, e eu não pretendo contribuir para agravar a situação” – excusa-se. Estuda o questionário que lhe é apresentado, fica satisfeito por entender o português. Mas nem por escrito quer responder. “As perguntas são muito interessantes” – é só o que comenta, sorrindo.

Mesmo assim, o general acaba falando alguma coisa: tudo o que pode dizer agora – assinala – é que se mantém na mesma posição em que sempre esteva. “Sou nacionalista, do verdadeiro nacionalismo do Chile”. Mas esclarece que sua posição é aberta a uma colaboração estreita com todas as nações iberoamericanas, “já que outra não pode ser a conduta de ninguém nesta época de países-continentes”.

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Cerimônia militar realizada no Regimento de Artilharia Tacna, comandado pelo general Roberto Viaux (Foto: @Ejercito de Chile)

O general Roberto Viaux Marambio não gosta que lhe atribuam vinculações político-partidárias. Embora sempre apontado como ligado de alguma forma ao alessandrismo, os partidários do ex-presidente conservador Jorge Alessandri (1958-1964) – se não por convicção, ao menos por tática –, o general Viaux faz questão de se dizer apartidário, e reitera que acima de qualquer coisa está o interesse nacional do Chile. Reafirma também que está disposto, conforme declarou oficialmente à imprensa na semana passada, a atender a um chamamento de seus companheiros de armas.

Só que não esclarece que chamamento, nem em que circunstâncias. Tampouco esclarece o que quer dizer com “a pátria não se negocia, nem se transige com a liberdade”, se bem que, no Chile, se interprete isto como uma alusão mais que direta às negociações que se processarão entre a Democracia Cristã e a Unidade Popular, conjunto de partidos de esquerda, visando a confirmação, pelo Congresso, da eleição do marxista Salvador Allende, num pleito em que não obteve maioria absoluta, a 3 de setembro deste ano (1970).

O general também não explica se mantém sua posição favorável a que o Congresso eleja o candidato mais votado, que foi expressa, antes das eleições, durante homenagem que recebeu em Quilpué, cidade próxima ao porto de Valparaíso. O que pode perfeitamente significar que não mantém ou que, se mantém, não acha conveniente reiterá-la.

O general está cauteloso não apenas em vista da delicada situação do Chile. Ele tem alguns ressentimentos com a imprensa também. E se queixa de que, ainda há algum tempo, concedeu uma entrevista a um jornal peruano. No Peru, o jornalista acrescentou alguns comentários à entrevista. As agências mandaram o material de retorno e, quando a coisa chegou ao Chile, os comentários também vieram com aspas e acabaram virando declarações. Além disso, ele teme que, fazendo declarações genéricas, possa servir a “este ou aquele grupo político”.

O general Viaux Marambio é uma figura importante no Chile de hoje – embora sua importância esteja aquém daquela que lhe conferem à distância, no exterior. A ida para a reserva, a distância dos comandos, o fato de seu movimento ter assumido uma feição golpista, ainda que alguém admita não tenha sido esta sua intenção, a solidariedade popular maciça ao presidente Eduardo Frei nos acontecimentos do levantamento militar conhecido como Tacnazo (a Central Única de Trabalhadores, ligada ao Partido Comunista, praticamente paralisou o Chile por três dias, uma enorme multidão, que incluía gente armada, se concentrou em volta do palácio presidencial de La Moneda e formaram-se barricadas com carros-tanques e veículos da Prefeitura para defender o presidente, brigadas juvenis e grupos de trabalhadores percorreram a cidade concitando o povo a defender o regime constitucional), tudo isso diminui bastante o papel que o general poderia desempenhar na presente situação.

De qualquer forma, ao general Viaux convergem atenções várias, e não é segredo que ele tenha recebido, já a esta altura, apelos e chamamentos. Sua residência, na Calle Diagonal Oriente, tem acolhido políticos e personalidades de destaque na vida chilena. O general tem participado de várias reuniões – sempre guardando a maior reserva a respeito de seu temário, de seus participantes e de sua própria existência. Pessoas de sua assessoria e de sua família têm viajado pelo interior chileno e mantido contatos. O general mantém-se, segundo tudo indica, bastante informado sobre o curso dos acontecimentos.

Seus partidários consideram que a atual cúpula do Exército, cujo comandante é o general René Scheneider Chereau, não tem ascendência sobre a oficialidade e a tropa, as quais seguiriam o caminho que o general Viaux indicasse. Insistem em que o general Viaux é respeitado e admirado por ter sacrificado “a carreira e até a vida” em benefício de uma causa militar.

Mas seus assessores e partidários não sabem dizer bem como se materializaria uma intervenção do general Viaux na atual conjuntura chilena. Além do mais, admite-se francamente em Santiago que o líder da rebelião de Tacna esteja sob discreta vigilância do governo e, sobretudo, sob os olhos cuidadosos e implacáveis da esquerda.

De qualquer forma, o general promete ser menos reticente “quando a situação se esclarecer mais”. Mas não esconde a satisfação quando lhe falam de um volante que, ontem à noite, circulava aos milhares nos bairros da parte alta de Santiago, onde estão os bairros mais ricos: “Confiamos no general Viaux. Não ao marxismo”.

Reportagem publicada no Jornal da Tarde, de São Paulo, em 21 de setembro de 1970

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